Provavelmente não estou a dar novidade nenhuma, mas comprar um carro usado continua a ser um pesadelo. Pode parecer que houve melhorias nos últimos anos e admito que existem alguns stands que têm alguma transparência e uma boa experiência de compra, mas esses stands normalmente são aqueles que ou pertencem a marcas oficiais e têm programas de usados especiais, ou são mega stands que normalmente negoceiam carros semi-novos ainda com garantia de fábrica. Mas isso é uma pequena ponta de iceberg num universo de stands que existem em Portugal e as experiências que tenho tido são francamente pobres principalmente se estamos para comprar um carro especial ou desportivo.
Só para verem o quão má é esta experiência, eu vou contar aqui uma série de histórias que me deixam fulo!
1ª É da minha coleção privada!
Esta é um pouco caricata e benigna, mas ainda assim, deixou-me com um grande melão. Eu tenho um fraquinho pelos Porsches 944. Por isso quando vi um exemplar destes "à venda" num stand de rua, fui perguntar ao dono sobre o carro. O vendedor e dono do stand disse-me que o carro não estava para venda porque pertencia à coleção dele. Nem perguntei mais nada e dei meia volta e desapareci, claro que para mim aquele stand já está marcado na lista negra. Então o Porsche 944 é da coleção do homem e ele meteu-o à mercê dos elementos num stand de borda da estrada a levar com chuva e sol? Quanto mais tento pensar numa lógica para este fenómeno, mais maluco fico... Qual é a jogada? Meter o Porsche 944 no stand para chamar a atenção das pessoas e depois dizer "Olha o Porsche não lho vendo porque é da minha coleção, mas tenho aqui um Seat Ibiza a Diesel que é um espectáculo". Não percebi a ideia, mas basicamente perderam um cliente e uma recomendação.
2º O carro está bom, impecável, só visto!
Noutro dia fui a um stand ver um Audi TT Quattro MK1. O carro nas fotografias do anúncio parecia excelente, dois dedos de conversa com o dono do stand por telemóvel e era só maravilhas. "Carro impecável, foi pintado de novo, está mesmo bom! Pintado de novo, mas como deve ser! Desmontámos o carro e tirámos as borrachas e os vidros para aquilo ficar mesmo bom." Eis que chego ao carro e noto um problema crónico nos Audi TT de 1ª geração que é as portas quando fecham começam a raspar na carroçaria do carro deixando marcas. Ora se o carro foi todo pintado, porque não pintaram também essa parte? E depois era o botão do vidro eléctrico que não funcionavam e o que funcionava o vidro não subia de uma forma muito natural. Depois metemos o carro a trabalhar e passado alguns minutos começa a sair fumo do turbo e a cereja do topo do bolo era o número de chassis ter sido retirado do carro. Muita coisa, muito má para um carro que estava "impecável" e que ainda por cima estava com um preço elevado demais para o normal, na minha opinião. Faz-me imensa confusão a falta de preparação que alguns stands têm no momento de mostrar o carro ao cliente. Obviamente que não é preciso muito tempo para descobrir falhas em coisas muito básicas, o que me leva a pensar, se eventualmente comprasse o carro, que outros problemas é que ia encontrar.
3º Livro de revisões e historial do carro? Claro que sim, está aqui tudo, ou não...
Acho incrível como é que estamos em 2022 e continua a ser um verdadeiro desafio para uma pessoa saber o histórico de um carro. Um carro desportivo é um carro que pode muitas vezes manter o seu valor e até valorizar, mas só se for possível verificar o seu historial. Um carro sem livro de revisões é sempre o calcanhar de Aquiles da maioria dos stands. Mas eu aqui nem culpo os stands a 100%, porque os anteriores donos também têm muita culpa no cartório. Normalmente os carros têm as revisões todas nas marcas nos primeiros 5 anos e essas oficinas vão registando tudo no livro de revisões, mas quando a garantia de fábrica expira, normalmente os donos deixam de registar seja o que for. Mais tarde estes carros são dados à troca e o histórico perde-se porque os próprios stands que recebem as viaturas de retoma não fazem perguntas ao cliente sobre o que aconteceu ao carro. Então a batata quente passa para o próximo interessado que tem de gastar imenso tempo a tentar descobrir o que aconteceu nos últimos 5 anos e 50.000km. Vou dar um exemplo: Mazda RX8, carro que todos sabem que é um pouco frágil. Não é qualquer mecânico que mexe nele, nem se pode pôr um óleo qualquer naquele carro. É fundamental saber o histórico do carro. O RX8 apesar do motor que é pouco fiável, continua a ser um dos melhores desportivos de tração traseira alguma vez construídos e por isso é um carro que interessa bastante a muito entusiasta. Passei dias a tentar descobrir onde o carro andou, quem foi o último dono, se fez as inspeções, tentar contactar o antigo dono, etc, etc. É um trabalho que devia ter sido feito pelo stand quando aceitou o carro de retoma e em último caso devia ter sido feito pelo dono do carro. Num mundo ideal o stand que tem o contacto do dono anterior, podia fazer esse trabalho, mas por alguma razão que não consigo imaginar, nunca nenhum stand se ofereceu a arranjar as provas necessárias para eu ter a certeza que o carro que estão a vender foi bem cuidado.
4º Preço da net, não tem garantia.
Esta é para mim a mais grave de todas! Todos nós sabemos que os stands são obrigados a dar garantia. Está na lei! Mas também todos sabemos que no momento da negociação isso normalmente não acontece e existe flexibilidade para o cliente levar o carro sem garantia por um preço mais em conta. Também se sabe que muitos stands simplesmente não cumprem a lei. Aqui o grande problema é que nos anúncios de classificados em sites como o Standvirtual, OLX, Pisca-Pisca, não existe verificação de preços nem da política de garantia de cada stand. Por exemplo: Aquele Audi TT que vos falei está marcado na net por 13.000€ e no anúncio diz garantia incluída de 18 meses. Mas quando me desloquei ao stand a história era outra. O preço era 14.000€ com a garantia de 18 meses e 13.000 sem garantia. Esta história não me aconteceu uma vez, nem duas, nem três, é crónico. Acho incrível como é que o Standvirtual não verifica isto. Imaginem fazer 100km para ver um carro a pensar que tem garantia e depois chega ao stand e afinal com garantia é mais Y ? Pode ser um grande balde de água fria. Outros stands chegam ao cúmulo de imputar outros custos e ter vários tipos de garantia. Como por exemplo, a história de um MINI Clubman JCW que custava 13790€, mas se quisesse comprar o carro tinha de pagar logo 100€ para tratar de burocracia de meter o carro em meu nome, etc. Porquê este custo? No que toca a garantia, realmente estava incluída nos 13890€ 18 meses só de motor e caixa com limite de km (10.000 km) que é ilegal, pois a garantia tem de ser total. Mas se quisesse ter uma garantia sem limite de km de motor e caixa tinha de pagar mais 1350€ e se quisesse uma garantia total que cobrisse tudo, tinha de pagar o valor do carro mais 1850€. Ou seja, um carro que custava 13790€ pode ficar em 15640€. Nesta área e talvez a mais importante de todas existe uma grande falta de controlo por todos os intervenientes. O Estado não anda atrás destas coisas. Podia ser um trabalho para a ASAE, mas não. Os sites de classificados como o Standvirtual também compactuam com estas práticas já que não fazem qualquer tipo de verificação se os preços colocados online têm garantia ou não e no final quem se lixa é sempre o consumidor final.
Resumindo, comprar carro usado, com mais de 6 ou 7 anos, pode ser um pequeno pesadelo e sinceramente estes problemas que relatei não vão ter um fim no futuro próximo nem no futuro mais longínquo. O trabalho e as preocupações que um consumidor tem de ter para comprar um carro num stand é desmotivante. Comprar um usado com mais de 6 ou 7 anos é um salto de fé. Pode correr bem ou mal. Todos têm culpa no cartório, até o próprio consumidor e é por estas histórias todas que comprar um usado é e vai continuar a ser uma experiência terrível.
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