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Consumos - Como obter resultados anunciados pelas marcas?



Noutro dia, no café, oiço um grupo de pessoas em amena cavaqueira sobre combustíveis e a conversa resvalou para os consumos dos carros e todas as trafulhices e até mitos de como eram feitos os testes e de como os testes eram uma farsa. Antes de também irem buscar as vossas foices e ancinhos, vamos analisar estes testes e vamos ver se realmente são datados, se são trafulhice, e se é possível realmente fazer os consumos que as marcas anunciam. 

Mas como funcionam os testes?

Na Europa a norma pela qual se fazem os testes de emissões e consumo é a NEDC (New European Driving Cycle), apesar do nome referir, "new", é um teste que remonta dos anos 70 e a última vez que foi alterado foi em 1997. Uma das principais críticas a este ciclo de testes que simula a típica utilização de um veículo em cidades europeias é que já é muito datado, tem alguns pressupostos que dificilmente as pessoas vão abdicar e para além disso é um ciclo que não reflecte em nada a típica condução de uma pessoa.

Quando um automóvel é sujeito ao teste NEDC o veículo deve ser testado numa superfície plana sem vento, no entanto, como é difícil arranjar essas condições, os carros são testados em bancos de ensaio. Os bancos de ensaio estão equipados com um aparelho que simula a inércia do carro (peso do carro) e o coeficiente aerodinâmico para simular a resistência ao ar. Algumas pessoas pensam que a única coisa que as marcas fazem é colocar gasolina num motor e colocam esse motor a fazer o teste de consumo, mas isso é um mito. O carro tem de estar lá todo a rolar em cima dos rolos do banco de ensaio, daí as diferenças de consumos do mesmo motor, em carroçarias diferentes.
Para além disso, o carro tem de estar frio. (temperaturas ambientes entre os 20-30º) e tem de ser testado com todos os aparelhos eléctricos desligados, assim como o ar condicionado.



Existem dois testes o Urban Driving Cycle (UDC) criado em 1970 e o Extra Urban Driving Cycle (introduzido em 1990).

O (UDC), é caracterizado por baixos andamentos, baixas temperaturas de gases de escape e velocidades máximas até aos 50 Km/h. Eis como é feito o teste UDC:
O carro deve ligar o motor a frio e estar inerte por 11 segundos. Depois o carro deve acelerar até aos 15km/h em 4 segundos e manter essa velocidade por 8 segundos, de seguida tem 5 segundos para travar o carro completamente e estar parado durante 21 segundos. Depois desta paragem, o carro deve voltar a acelerar até aos 32Km/h em 12 segundos e passar para 2ª mudança, deve manter a velocidade durante 24 segundos e depois deve desacelerar o carro até parar completamente em 11 segundos, e deve ficar novamente 21 segundos parado. O carro volta a acelerar desta vez até aos 50Km/h em 26 segundos passando de 1ª para 2ª e depois 3ª, com intervalos de 2 segundos entre as passagens de caixa, deve manter a velocidade durante 12 segundos, e de seguida deve desacelerar o carro para os 35km/h em 8 segundos, manter a velocidade por mais 13 segundos e parar completamente em 12 segundos e deve ficar inerte por 7 segundos. O ciclo deve acaba em 117 segundos com uma distância percorrida de cerca de 994 metros. Este ciclo é repetido mais 4 vezes o que já coloca a distância percorrida nos 3976 metros, numa duração total de 13 minutos e uma média de velocidades de 18,35 km/h.

O EUDC representa uma condução a velocidades mais elevadas. Este ciclo começa com uma paragem de 20 segundos e de seguida o carro deve acelerar suavemente até aos 70km/h em 41 segundos (deve usar a 4ª velocidade) e deve manter-se nos 70km/h durante 50 segundos ao mesmo tempo que coloca a 5ª velocidade), depois deve desacelerar até aos 50km/h em 8 segundos e manter a velocidade por 69 segundos. Depois deve acelerar para os 70km/h em 13 segundos. 
De seguida o carro deverá manter a velocidade dos 70 km/h por 50 segundos em 5ª e depois deve acelerar até aos 100 km/h em 35 segundos, manter a velocidade por 30 segundos em 5ª ou 6ª. Finalmente o carro deve acelerar até aos 120 km/h em 20 segundos, manter a velocidade durante 10 segundos e depois deve travar até parar em 34 segundos. Depois deve estar parado durante 20 segundos.
A duração total deste teste é de 6 minutos e 40 segundos e tem uma distância de 6956 metros com uma velocidade média de 62,6 km/h.

No total destes testes, depois é calculada o consumo combinado entre o UDC e o EUDC e é daqui que vem os 3 números que nos dão o consumo do carro. 

Como podem ver estes testes são datados, têm muitas paragens e acelerações bastante suaves e para além disso são permitidas algumas batotas para melhorar o consumo, como por exemplo, colocar mais ar nos pneus do que o recomendado, é permitido que os testes sejam efectuados com um deficit de velocidade de 2km/h e no final disto tudo as marcas ainda podem reduzir os resultados do final de um ciclo em 4%, pois é a margem definida para erro. Para além disso é um teste tão peculiar, que facilmente os fabricantes de automóveis podem colocar código no software do carro para detectar quando está a ser testado e entrar em modo de poupança (Veja-se o caso Dieselgate do Grupo Volkswagen). Por outro lado é um teste que é justo para todos os veículos e apesar do tempo, muitas das novas tecnologias apresentadas hoje, que melhoram os consumos, são reflectidas no teste. Por exemplo, neste teste, um carro com Start&Stop vai ter uma vantagem em relação ao que não tem essa tecnologia. Os híbridos com modo eléctrico também vão conseguir obter boas médias nestes ciclos, já que durante a maioria dos percurso não gastam combustível. Mas ainda assim é um teste que não explora totalmente a utilização do veículo na vida real, existem muitas situações que não são espelhadas nos testes e daí à maioria das pessoas não conseguir obter os consumos anunciados pelas marcas. Não é culpa das marcas (embora devam existir lobbys por todo o lado para manter as coisas como estão), é assim o sistema, é assim as regras e assim os consumidores conseguem facilmente ver qual é o veículo mais económico com este teste.

Felizmente, está a ser preparada uma nova norma que vai mudar radicalmente a forma como os carros são testados para obter os consumos e as emissões. Espera-se que com esta nova norma se obtenham testes mais aproximados da realidade e como consequência, deverá dar aos consumidores valores de emissões mais exactos. Um dos grandes entraves no entanto é que assim que este novo teste for lançado, os veículos que antes anunciavam 4 litros aos 100 km, vão passar a gastar 5 ou 6 litros aos 100 km, e as marcas não gostam disso. É como se os seus carros de repente passassem a ter pior performance. Um dia vai acontecer, mas até lá vamos ter de nos aguentar com este sistema.

Agora que já sabem como funcionam os testes vão aqui algumas dicas para atingir os valores anunciados, sim, os testes são datados e são feitos de uma forma bastante fora daquilo que o condutor normal faz no dia a dia, mas ainda assim, é possível adaptar a nossa condução para obter melhores consumos. Já me passaram pelas mãos vários carros e com algum conhecimento dos percursos e do carro é possível fazer tão bom ou melhor do que as marcas anunciam. De notar no entanto que nem todos os percursos dão para obter consumos anunciados pelas marcas, e de notar os elementos externos que não são contemplados nos testes, como por exemplo as condições meteorológicas. É claro que num percurso de montanha o vosso carro não vai fazer o consumos anunciado (a não ser que tenham tantas subidas quanto descidas) e é claro que num dia chuvoso e de muito vento os consumos também vão aumentar.  

1. Aumentar a pressão dos pneus um pouco
Se as marcas o fazem nos testes, nós também podemos fazer. Ter mais 0,2 bar do que está anunciado pela marca na pressão de um pneu ajuda o consumo e não tem um grande impacto na aderência do carro. 

2. Não usar ar condicionado, nem rádio, nem nada eléctrico
O não usar ar condicionado é óbvio, é um luxo pelo qual às vezes não podemos viver, mas a verdade é que nos testes, estes componentes vão todos desligados, logo existe vantagem em fazê-lo. Se ir com o ar condicionado é tolerável às vezes, ir sem rádio pode ser bem mais complicado, mas a utilização de componentes eléctricos faz descarregar a bateria o que faz com que o alternador tenha de ser accionado para carregar a bateria o que faz com que haja mais atrito e logo mais consumo. (Eu por acaso habituei-me a conduzir sem ouvir rádio, mas sei que para muita gente um carro sem rádio é o mesmo que um carro sem rodas...)

3. Não andar com os vidros abertos
Andar com os vidros abertos, aumenta o coeficiente aerodinâmico o que faz com que aumente o consumo. No caso dos descapotáveis, andar com a capota aberta, aumenta também o consumo.

4. Manter o peso baixo
Os testes são realizados com um condutor sozinho. Não esperem obter os mesmos consumos que nos testes quando viajam com o carro completamente ocupado por outras pessoas e cheio de tralha. 20kg foi quanto a VW conseguiu reduzir em peso do Golf 6 para o Golf 7 e consequentemente conseguiu reduzir o consumo do carro com basicamente o mesmo motor. A única maneira de obterem o consumo que está no papel é de andarem com o carro o mais leve possível.

5. Pensar à frente
Numa conversa sobre consumos com pessoas com os mesmos carros é normal existir uma que consegue fazer menos 2 ou 3 L/100km do que outra. Uma dessas pessoas tem uma condução muito mais suave. Lembrem-se que nos testes UDC e EUDC as acelerações e as travagens são feitas de forma muito progressiva e suave. Não é que seja uma táctica que se pode usar todos os dias e em todas as situações, mas acreditem que assim que começarem a usar o acelerador e o travão de forma doseada os vossos consumos vão baixar dramaticamente. Para pensar à frente devem estar muito atentos ao percurso que vão fazer e ao que está em vosso redor.

6. Conhecer o percurso
Provavelmente, os melhores consumos que fizeram no vosso carro, foi a fazer o vosso caminho para o trabalho. A repetição do caminho, faz com que o conheçam de trás para a frente e assim conseguem usar em pleno a dica anterior. Existem coisas que podemos planear se já soubermos o que vai acontecer. Por exemplo, se estou numa descida e sei que a seguir vem uma subida devo acelerar para tomar balanço. Se sei que existe um semáforo de velocidade, devo manter a minha velocidade de modo a não disparar o semáforo. Se sei que a curva X pode ser feita no máximo a 50 km/h, não vale a pena estar a acelerar para depois travar e desperdiçar combustível, na saída da curva... Tal como nos testes que está tudo premeditado e calculado, a única maneira de conseguirem bons consumos é saberem tim-tim por tim-tim o vosso caminho e usá-lo em vosso proveito para poupar.

7. Conhecer o carro
Não esperem que quando acabam de sair com um carro do stand que consigam obter grandes consumos. Só passado algum tempo de habituação é que conseguem realmente saber quando devem fazer as passagens de caixa e que força devem aplicar o acelerador, etc. No caso de pessoas que passam de um carro normal para um híbrido como o Toyota Prius, por exemplo, a habituação vai demorar ainda mais tempo.

8. Manutenção em dia e bem feita
Ter o vosso carro em plena forma é fundamental para obter os consumos que a marca anuncia. Esqueça o usar o óleo de batatas fritas, esqueçam o levarem o vosso carro ao zé das chaves e esqueçam o adiar substituição de seja aquilo que for. O vosso carro se for bem tratado e seguir à risca o que é recomendado pela marca é a única forma de obter uma boa performance e consequentemente um bom consumo.


Da minha experiência com carros que conduzi durante algumas semanas, usando estas técnicas e principalmente no percurso que faço para o meu emprego consigo obter consumos melhores ou iguais aos anunciados pela marca. Num percurso de 50 km de Alcobaça a Leiria indo pela estrada nacional e respeitando os limites de velocidade, num Nissan Pulsar 1.5 DCI consegui obter uma média recorde de 3 L/100km. O consumo misto anunciado desse carro é de 3,6 L/100km. Num Smart Forfour 1.0 de 71 cv consegui fazer 4,1 L/100km e o anunciado é de 4,2 L/100km. Não quer com isto dizer que não existem carros que realmente tenham números de consumos optimistas de mais, mas a verdade é que com alguns cuidados e condução ecológica é realmente possível chegar perto, ou até mesmo ultrapassar o que foi obtido em testes altamente controlados e datados. 

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